quarta-feira, 30 de junho de 2010

Cinema, Música, Idiotas, Ladrões e Calda de Chocolate

Muitas vezes acho que os ótimos papos de quinta-feira que nós, @cronistasreunidos, temos toda quinta-feira mereciam ter uma ata oficial, como registro para que pudéssemos consultar no futuro. Sempre que algo me chama a atenção tento fazer isso mentalmente, guardando guardanapos amassados ou até escrevendo textos sobre o assunto (coisa que não faço desde 1931...).

Num desses papos, o @paulo_coelho (o nosso, não o alquimista) comentou (e não lembro se foi idéia dele, ou tinha uma fonte por trás) que a produção cultural começou a se "idiotizar" a partir do momento que foi se voltando massivamente para os jovens. Como trabalho no meio e vivo me questionando sobre o assunto, isso ficou martelando na minha cabeça e comecei a pensar em vários desdobramentos sobre o assunto. Achei, então, que valia a pena botar no "papel".

Vamos lá. Um exemplo : se pegarmos as maiores bilheterias do cinema de 90 para cá, praticamente todos os filmes são direcionados pra uma temática jovem, teenager ou infantil (Piratas do Caribe, Harry Potters, Senhor dos Anéis, filmes de hérois, vampiros, animações e etc.). Mesmo quando falamos do romance de maior sucesso (Titanic), não dá pra se dizer que é um filme complexo (embora eu ache um baita filme).

E foi sempre assim? Não. Já tinha essa impressão, mas dei uma vasculhada nas maiores bilheterias de todos os tempos e isso ficou bem evidente. Dos anos 70 pra trás praticamente todos os filmes grandes e bem sucedidos tinham uma abordagem mais adulta: O Poderoso Chefão, A Primeira Noite de Um Homem, 2001, O Exorcista, Golpe de Mestre, Contatos Imediatos do 3º Grau, Tubarão, Love Story, Aeroporto, etc. Claro que já existiam indícios do que viria pela frente com filmes como Star Wars, mas realmente parece que com o passar dos anos, o cinema foi buscando se "infantilizar" com a falsa premissa de se tornar acessível a todos.

Com a visão que temos hoje é quase surreal imaginar que filmes com a complexidade e profundidade de 2001, A Primeira Noite de Um Homem e O Poderoso Chefão pudessem ser os blockbusters.

Não sei quem foi que fez os produtores acreditarem que adulto não consome tanto cultura quanto os jovens, mas se olharmos a programação de qualquer cinema de shopping esse raciocínio fica evidente.

Essa história toda tem pelo menos dois grandes desdobramentos : 1 - cultural; e 2 - econômico.

1 - Se os produtores de conteúdo cultural pago acreditam que pra ter lucro precisam agradar majoritariamente os jovens, teens e crianças, não tem como se propor produtos mais densos, sérios, experimentais e etc., fora do circuito independente. Isso é triste porque vai se idiotizando, pasteurizando e nivelando por baixo a produção cultural como um todo. Sempre existirão os heróis da resistência, mas a média vai caminhando pra isso;

2 - Usando como exemplo o pessoal da indústria fonográfica que vive chorando pelo leite pirateado, começo a me perguntar se isso já não é resultado de uma armadilha que eles mesmos criaram. Como convencer um adolescente (que vive de mesada) a comprar uma música que ele pode baixar gratuitamente (e ainda vendo umas minas peladas de quebra?) Vejo isso em casa, com minhas sobrinhas. Um dia elas vieram com aquele discurso de lavagem cerebral contra a pirataria de música, e nem perceberam que TODAS as músicas que estavam nos seus MP3 players foram baixadas na Web. Não cabia na cabeça delas que uma música que estava disponível em qualquer Limewire da vida (desde que elas começaram a mexer em computador) era a tal pirataria que os filmes publicitários retratam como "crime hediondo". "Ué? Mas sempre teve pra baixar lá, Tio? Pra que eu vou gastar meu dinheiro com isso?".

Não estou fazendo aqui uma apologia à pirataria, apenas falando que em muitos casos é fato consumado.

Mas quer dizer então que ferrou? Só teremos produtos idiotizados sendo produzido por aí e ninguém mais vai ganhar dinheiro fazendo produto cultural? Também acho que não.

No lado artístico, muitas séries de TV vêm (na minha humilde opinião, queridos amigos...) na contra-mão dessa onda. Tem muita coisa boa, mais séria, mais profunda, e além de tudo fazendo um baita sucesso por aí. House M.D., In Treatment, Mad Man, The Office, Sopranos, são ótimos exemplos ...

No lado financeiro, volto ao exemplo da música (mas acho que se aplica a várias coisas). Sempre apostei que o cara que realmente gosta do assunto e busca qualidade acima de tudo vai pagar por um produto mais caprichado. Não é à toa que jazz e música clássica sempre tiveram sessões à parte nas lojas de CD. E esse público, olha só que loucura, sempre foi adulto. Talvez esse seja o filão. (E se assume que vai ter gente que nunca vai pagar por isso, mesmo. Paciência...)

Enfim ... tudo que disse aqui é apenas um "achismo". Fui juntando uma pitada de premissa boa, com impressões que fui colhendo por aí, mais duas xícaras de reflexão e bati tudo numa noite de inquietação pós-dia-de-trabalho-enfadonho. Se o bolo vai crescer eu não sei, mas que eu gosto de experimentar sem medo, pelo menos nas minhas terras quase inativas, eu gosto.

3 comentários:

Leopoldo disse...

Ok, vamos ver se agora o blogger não vai apagar meu comentário. Mamute, vou te emprestar o livro "O Grande Filme" que é justamente sobre a produção cultural de cinema em Hollywood. Oq o escritor diz é que a partir que os filmes começaram a não dar mais lucros com bilheteria no anos 80, os cinemas passaram a ter como principal fonte de renda a pipoca/refri e afins. E quem consome mais essas porcarias? Público jovem. A maioria dos exibidores começaram a dar preferência a esse tipo de filme, dificultando a abertura a filmes "sérios". Depois os estúdios também viram que a principal fonte de renda também não vinha da bilheteria e sim de venda de licenciamente de produtos e personagens. Novamente, quem consome mais isso? Acaba a idéia do filme c/ fim nele mesmo e a partir dos anos 80 os filmes são feitos basicamente para vender pipoca e lancheiras. Bom a coisa é mais complexa, mas sim "a produção cultural começou a se "idiotizar" a partir do momento que foi se voltando massivamente para os jovens." Te levo o livro hj.
Abrs.

Leopoldo disse...

Complementando o post:
http://www.ebaumsworld.com/video/watch/80710089/

David disse...

Também tem uma diferença da invenção do Blockbuster pra cá: home video. Olhando no IMDb, as arrecadações com bilheteria aumentam consistentemente ano a ano, incluindo aí reajustes da inflação. Mas ao comprarar número de espectadores, não é bem assim (e não tenho nenhum link pra embasar agora, mas, acredite, jamais superaremos Dona Flor e seus 2 Maridos no Brasil, por exemplo).
Se antes o cinema era corriqueiro pra todo mundo, fosse nas matinês das crianças, fosse nos newsreels de meados do século passado, hoje é fato que uma parcela considerável desse público ficou em casa vendo TV. Claro que a TV já era popular nos anos 60 nos EUA, mas o cinema só teve seu equivalente nas VHS e Betamax do fim dos anos 70.
Meus pais, que estão longe de ser ignorantes ou incultos, vão ao cinema 3 ou 4 vezes ao ano, mas devem ver umas 10 vezes esse número de filmes no mesmo período, no conforto do sofá. Assim, o cinema deixou de ser o lugar pra ver filmes e virou, como disse o Leopoldo, o lugar pra sair com a galera e comer pipoca. Quem faz isso não são meus pais, são as minhas irmãs.
Enfim, os jovens dão mais bilheteria, mas se fossem realmente a única coisa que desse bilheteria, não teríamos filmes adultos em cartaz por aí (eles iriam direto pra DVD, no mínimo).
Quanto ao nivelamento por baixo dos filmes por causa dessa demanda,não acho que estejamos perdidos. Até o Oscar, popularesco como sempre foi, nos últimos 8 anos tem dado muito mais destaque pra filmes adultos e sérios do que pros blockbusters (que ficam com prêmios técnicos).
Concordo com o tom de todo o post, principalmente quando chego no cinema e, de 10 salas, 6 passam Corpúsculo e 2 passam um filme da Xuxa, mas não acho que os filmes sérios e adultos não tenham salvação. The Long Tail tá aí pra isso.
Abraço,