sábado, 11 de setembro de 2010

"Lendo, ouvindo, escrevendo e contando histórias" ou "Herança Maldita", como preferir ...

Aviso : esse post longo é sobre uma descoberta absolutamente imbecil que demorou uns bons 20 anos pra acontecer comigo. Se no final você pensar "Não acredito que perdi meu tempo lendo isso", a culpa é toda sua.

Sempre fui doente por ouvir histórias. O grande culpado disso foi meu pai. Pra quem não o conhece, ele é muito parecido com o pai do filme "Peixe Grande" do Tim Burton. A diferença é que minha relação com ele (ao contrário do protagonista do filme) sempre foi ótima, então as histórias dele sempre me causaram uma mistura de fascínio, orgulho, admiração beirando a idolatria, amor e mais um monte de coisas. Desde as histórias de "primo pobre" filho de sapateiro, passando pela juventude boêmia como jogador de pôquer, chegando nos causos que se misturam com a história da indústria automobilística brasileira.

Além das dele, sempre fui bom em ouvir histórias em geral. Minha mãe sozinha na época de Natal nos tempos de colégio de freiras, meu irmão como goleiro do Banespa, meu avô em todos tipos de aventura que só o início do século passado podia proporcionar, minha avó levando bolo pros soldados na que ficavam nas trincheiras da Estados Unidos na revolução de 30.

Enfim ... sempre fui do tipo de ouvinte que quer ser levado pela história. Do espectador que não quer saber como o mágico fez o truque. Gosto é de acreditar que aquilo é mágica mesmo.

Aí fui alfabetizado e, no primário, lia muito. Livros como "Gênio do Crime" e "A Mina de Ouro" me deixavam completamente louco também. Por conta disso, comecei a me interessar por contar histórias. Pela pouca idade, repetia pros amigos as histórias dos meus pais, avós, e as poucas que aconteciam comigo. Posso falar que tenho DNA de contador de causos.

Só que aí chegou o ginásio e o colegial com seus professores de literatura e por conta deles, comecei a separar todo esse histórico legal, daquela matéria chata e maçante que tinha no colégio. Não por acaso, foi uma das matérias que mais odiei, e isso me causou um estrago com seqüelas que chegam até hoje (uma delas acabou de ser reparada agora, motivo pelo qual comecei a escrever o post, e vou explicar mais abaixo). A principal maldição disso é a idéia que artistas são seres escolhidos, que produzem um material tão distante da vida dos cidadãos "médios", que estes acabam se afastando e considerando arte uma coisa, entretenimento outra.

Foi durante a faculdade, também por alguns professores (dessa vez do Lado Branco da Força), que comecei a entender que tudo aquilo que sempre admirei, ouvi, pesquisei e li já era arte. Aí voltei a ler mais, dessa vez autores que escreviam algo que realmente me interessava, e como consequência direta disso, comecei a escrever crônicas.

Porém, ainda tenho ligeiramente encrustrada na cabeça a noção que literatura, cinema e arte em geral, é algo que não é natural. E tenho que ficar desencalacrando esse lodo que teima em voltar sempre que passo um tempinho sem pensar no assunto.

Sempre admirei o conhecimento dos fãs de HQ. Sempre achei que eram nerds (como eu era), porém com um nível de intelectualismo que eu não era muito digno. O que nunca tinha percebido é que passei por volta de 8 anos da minha infância e adolescência, lendo em média 2 gibis (não HQ, essa era a diferença!) por fim de semana. Meus pais tinham uma casa de campo em Vinhedo e íamos pra lá todos os finais de semana. No "Frango Assado", eu sempre comprava no mínimo 2 gibis. Os preferidos sempre foram os da Disney (Tio Patinhas, Pato Donald, todos do Professor Pardal, e muita raiva do Mickey, aquele viadinho dedo-duro). Também acompanhei quase todos publicados de "As Aventuras dos Trapalhões" com destaque às paródias de filmes como "Didicop, o policial sem futuro". E no meio disso alguns flertes com o "alto-HQ" como a "Morte do Super-Homem", e outras coisinhas mais.

No dia que meu pai vendeu a casa, lembro que tinha um armário todo só de gibis. Colecionador que sou, queria levar tudo pra casa de São Paulo. Ele me deu uma sacola de feira e disse que só poderia levar o que coubesse lá. O resto era lixo. Separei tudo durante um fim de semana e no domingo antes de ir embora, a tradicional fogueira que fazíamos na rua foi a maior de todas. Pelas minhas contas, mais de 300 gibis viraram fumaça.

Junto com a sacola que guardo ainda hoje, escondi esse conhecimento até de mim mesmo. Nunca tinha relacionado isso com "HQ". Gibi é coisa de criança!

Pois é ... porém algumas das histórias e "sacadas" que li nessa época, ainda lembro como das mais geniais que já vi. E foi via o twitter de um amigo e ex-aluno, que a ficha do tamanho de um bonde caiu na minha cabeça e me fez lembrar disso tudo.

Tudo é story-telling, catso! Mania de achar que só o "Viagem de Chihiro" é arte e o "Tom e Jerry" não. Maldito ensino médio!

O twitt em questão é um link para uma história do Tio Patinhas chamada "O Sonho de Uma Vida" (de 2002, desenhado por Don Rosa), em que o argumento é exatamente o mesmo do filme "A Origem". Devorei as 26 páginas, e ouso dizer que acho o gibi mais bem resolvido que o filme. Independente disso, a idéia é exatamente a mesma e tão fascinante quanto a do filme. E vendo a maestria do Don Rosa em brincar com os mesmos conceitos que o Nolan (diretor do filme) fez, apenas com uma roupagem adulta, volto a lembrar que tudo é "contação história".

Enfim ... cada vez mais estou certo que pra produzir arte o importante é levar a sério suas referências, gostos e experiências pessoais. Sem tentar ficar imitando e seguindo só aquilo que falam e dizem que é arte "de verdade".

E viva o Tio Patinhas!!!

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