Muitas vezes acho que os ótimos papos de quinta-feira que nós, @cronistasreunidos, temos toda quinta-feira mereciam ter uma ata oficial, como registro para que pudéssemos consultar no futuro. Sempre que algo me chama a atenção tento fazer isso mentalmente, guardando guardanapos amassados ou até escrevendo textos sobre o assunto (coisa que não faço desde 1931...).
Num desses papos, o @paulo_coelho (o nosso, não o alquimista) comentou (e não lembro se foi idéia dele, ou tinha uma fonte por trás) que a produção cultural começou a se "idiotizar" a partir do momento que foi se voltando massivamente para os jovens. Como trabalho no meio e vivo me questionando sobre o assunto, isso ficou martelando na minha cabeça e comecei a pensar em vários desdobramentos sobre o assunto. Achei, então, que valia a pena botar no "papel".
Vamos lá. Um exemplo : se pegarmos as maiores bilheterias do cinema de 90 para cá, praticamente todos os filmes são direcionados pra uma temática jovem, teenager ou infantil (Piratas do Caribe, Harry Potters, Senhor dos Anéis, filmes de hérois, vampiros, animações e etc.). Mesmo quando falamos do romance de maior sucesso (Titanic), não dá pra se dizer que é um filme complexo (embora eu ache um baita filme).
E foi sempre assim? Não. Já tinha essa impressão, mas dei uma vasculhada nas maiores bilheterias de todos os tempos e isso ficou bem evidente. Dos anos 70 pra trás praticamente todos os filmes grandes e bem sucedidos tinham uma abordagem mais adulta: O Poderoso Chefão, A Primeira Noite de Um Homem, 2001, O Exorcista, Golpe de Mestre, Contatos Imediatos do 3º Grau, Tubarão, Love Story, Aeroporto, etc. Claro que já existiam indícios do que viria pela frente com filmes como Star Wars, mas realmente parece que com o passar dos anos, o cinema foi buscando se "infantilizar" com a falsa premissa de se tornar acessível a todos.
Com a visão que temos hoje é quase surreal imaginar que filmes com a complexidade e profundidade de 2001, A Primeira Noite de Um Homem e O Poderoso Chefão pudessem ser os blockbusters.
Não sei quem foi que fez os produtores acreditarem que adulto não consome tanto cultura quanto os jovens, mas se olharmos a programação de qualquer cinema de shopping esse raciocínio fica evidente.
Essa história toda tem pelo menos dois grandes desdobramentos : 1 - cultural; e 2 - econômico.
1 - Se os produtores de conteúdo cultural pago acreditam que pra ter lucro precisam agradar majoritariamente os jovens, teens e crianças, não tem como se propor produtos mais densos, sérios, experimentais e etc., fora do circuito independente. Isso é triste porque vai se idiotizando, pasteurizando e nivelando por baixo a produção cultural como um todo. Sempre existirão os heróis da resistência, mas a média vai caminhando pra isso;
2 - Usando como exemplo o pessoal da indústria fonográfica que vive chorando pelo leite pirateado, começo a me perguntar se isso já não é resultado de uma armadilha que eles mesmos criaram. Como convencer um adolescente (que vive de mesada) a comprar uma música que ele pode baixar gratuitamente (e ainda vendo umas minas peladas de quebra?) Vejo isso em casa, com minhas sobrinhas. Um dia elas vieram com aquele discurso de lavagem cerebral contra a pirataria de música, e nem perceberam que TODAS as músicas que estavam nos seus MP3 players foram baixadas na Web. Não cabia na cabeça delas que uma música que estava disponível em qualquer Limewire da vida (desde que elas começaram a mexer em computador) era a tal pirataria que os filmes publicitários retratam como "crime hediondo". "Ué? Mas sempre teve pra baixar lá, Tio? Pra que eu vou gastar meu dinheiro com isso?".
Não estou fazendo aqui uma apologia à pirataria, apenas falando que em muitos casos é fato consumado.
Mas quer dizer então que ferrou? Só teremos produtos idiotizados sendo produzido por aí e ninguém mais vai ganhar dinheiro fazendo produto cultural? Também acho que não.
No lado artístico, muitas séries de TV vêm (na minha humilde opinião, queridos amigos...) na contra-mão dessa onda. Tem muita coisa boa, mais séria, mais profunda, e além de tudo fazendo um baita sucesso por aí. House M.D., In Treatment, Mad Man, The Office, Sopranos, são ótimos exemplos ...
No lado financeiro, volto ao exemplo da música (mas acho que se aplica a várias coisas). Sempre apostei que o cara que realmente gosta do assunto e busca qualidade acima de tudo vai pagar por um produto mais caprichado. Não é à toa que jazz e música clássica sempre tiveram sessões à parte nas lojas de CD. E esse público, olha só que loucura, sempre foi adulto. Talvez esse seja o filão. (E se assume que vai ter gente que nunca vai pagar por isso, mesmo. Paciência...)
Enfim ... tudo que disse aqui é apenas um "achismo". Fui juntando uma pitada de premissa boa, com impressões que fui colhendo por aí, mais duas xícaras de reflexão e bati tudo numa noite de inquietação pós-dia-de-trabalho-enfadonho. Se o bolo vai crescer eu não sei, mas que eu gosto de experimentar sem medo, pelo menos nas minhas terras quase inativas, eu gosto.
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